Dois problemas se misturam: a verdade do Universo, a prestação que vai vencer. Não é que eu ganho pouco, o mês é que é longo. E as perguntas continuam sempre as mesmas…
Entro no mês de setembro tentando conciliar duas forças. De um lado, o cenário externo impõe dúvidas importantes. Em seu 122º mês de crescimento, a economia norte-americana vive sua expansão mais longeva da história — como na falácia do peru de Natal de Bertrand Russell ou no problema da indução de David Hume, as coisas vão indo super bem até que… subitamente explodem.
Da última vez que em achamos que os formuladores de política econômica tinham encontrado o arcabouço técnico preciso para acabar com os ciclos, na famigerada Grande Moderação, deu no que deu. Depois de 2008, ainda vamos acreditar na capacidade dos economistas e, agora, dos advogados à frente dos bancos centrais em evitar uma grande crise?
Anos e anos de crescimento econômico, alta para os mercados de capitais, supressão da volatilidade, taxas de juros muito baixas e empurrão tácito ou formal dos investidores para o risco podem já ter matado alguma baleia por aí e a gente simplesmente ainda não viu. De repente, ela amanhece boiando no mar para a nossa surpresa e, então, pode ser tarde demais se estivermos muito expostos ao risco, concentrados e alavancados.
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Estamos em mares nunca dantes navegados com taxas de juros cada vez mais negativas no mundo desenvolvido, o que desafia as noções mais básicas de preferência intertemporal — intuitivamente, para emprestar por mais tempo, costumamos requerer uma recompensa positiva. Dizem que até os animais carregam certa ansiedade consumista entre eles. Ou seja, para guardar algo para o futuro, exigem um juro (representado por um quantum) maior do que zero.
Talvez não seja nada. Como diz Alan Greenspan, “o zero é uma marca como outra qualquer”. Ou, na estagnação secular de Alvin Hansen recuperada recentemente por Larry Summers, talvez as taxas de juro de equilíbrio estruturais sejam negativas num mundo de altas taxas de poupança e baixa necessidade de investimento.
Com o envelhecimento da população e as necessidades básicas mais elementares já nutridas nos países desenvolvidos, a decisão por poupar não exige grande recompensa — você vai viver por mais algumas décadas sob baixa produtividade do trabalho; logo, vai precisar chegar lá na frente tendo acumulado um patrimônio para posterior “despoupança”.
Ao mesmo tempo, temos o papel deflacionário da tecnologia. Ela derruba preços de bens e serviços, além de reduzir a demanda por investimento (com tecnologia, fica mais barato investir).
Note que demografia e tecnologia não são fatores conjunturais. Ao contrário. O mundo vai ficar cada vez mais velho e cada vez mais tecnológico. É um caminho sem volta. Até que, sei lá, obedecendo às previsões de Elon Musk, as máquinas se rebelem contra os humanos e resolvam dizimar nossa espécie antes que ela envelheça ainda mais — na dúvida, é bom corrermos com a colonização de Marte. “Gelo em Marte, diz a Viking.
Nesse ambiente, talvez tenhamos de rever a avaliação estilizada do papel dos bancos centrais desde 2008. Diante da zeragem das taxas de juro de curto prazo e do ineditismo de suas políticas de afrouxamento quantitativo, eles normalmente são apontados como causa da suposta distorção atual. Ocorre, porém, que se pudermos levar o argumento de Summers ao extremo, os bancos centrais passam a ser, na verdade, vítimas do processo de aumento das taxas de poupança e redução da demanda por investimento. Seriam essas forças estruturais as determinantes dos juros cada vez mais baixos e negativos e, contra elas, as autoridades monetárias nada poderiam fazer.
Há uma velha discussão aqui potencialmente em pauta: onde se determina a taxa de juro de equilíbrio? Seria no mercado monetário, ou seja, pela interação entre oferta e demanda de moeda? Se sim, os bancos centrais, que, por construção, determinam a oferta de moeda, teriam capacidade direta de determinar as taxas de juro da economia, sendo mais causa do que efeito nesse processo. Ou seria no mercado de fundos emprestáveis de Knut Wicksell, resultado do confronto entre oferta de poupança e demanda por investimento? Em sendo o caso, os BCs estariam mais na voz passiva dessa dinâmica.
Entro em setembro com mais dúvidas do que respostas, o que me parece um sinal de sanidade. Se você tem muitas certezas no mercado de capitais, as chances de você se dar mal são enormes. Seja como for, o ambiente propício a exageros em valuations (com taxa de juro zerada, os múltiplos podem explodir até o infinito), formação de bolhas, propensão exagerada ao risco gera certo desconforto. Isso num momento de tensão comercial entre EUA e China sem prognóstico de resolução a curto prazo — ambos os países disputam não apenas essa ou aquela tarifa, mas, sim, a hegemonia política e tecnológica do próximo século. A questão é muito mais complexa, profunda e fundamental do que um olhar superficial sobre o Twitter de Donald Trump suporia. E com a espada de Dâmocles da curva invertida nos EUA nos lembrando todos os dias das chances de recessão por lá.
A preocupação com o ambiente externo se confronta com grande otimismo com a cena doméstica. O momento do ciclo aqui é inteiramente outro, em estágio inicial, na iminência de uma retomada do crescimento econômico e dos lucros corporativos, com juros nas mínimas históricas e uma ampla plataforma de reformas a ser colocada na rua. A Previdência foi só a primeira delas. Pode esperar para os próximos meses o golpe de misericórdia sobre os sindicatos, o que vai pavimentar a via para privatizações numa escala que poucos estão imaginando.
Como lembrou a Dynamo com seu brilhantismo de sempre na última carta aos cotistas, “não há como não reconhecer que diferentemente das principais economias lá fora onde um longo período de políticas expansionistas vem suscitando crescentes apreensões em relação ao potencial de crescimento sustentável, por aqui, acabamos de experimentar o pior quadriênio de crescimento do PIB da nossa história republicana, efeito de um longo período de políticas públicas disfuncionais. A expectativa de uma agenda doméstica reformista em um contexto de excesso de capacidade generalizado e alto desemprego sustenta fundamentos para uma re-precificação de ativos. Além do quê, o espaço para redução dos juros reais para patamares civilizados é fato inédito no país. Ou seja, neste momento, as duas forças do substrato macro – fundamento e fluxo – parecem convergir, desenhando um ambiente mais benigno para o investidor em ações. Reconhecemos que os bons ventos podem ajudar na propulsão de várias companhias do nosso portfólio, bem posicionadas que estão para capturar oportunidades caso a melhoria no ambiente de negócios de fato se verifique”.
Como viver num mundo que não entendemos direito? Como transitar por esse ambiente sem precedentes de juros zerados lá fora? Como conciliar o medo de recessão global com o enorme otimismo doméstico?
Primeira coisa: compre um cofre. Talvez você não tenha percebido, mas banco na Europa é um dying business. Não será surpresa se algo parecido chegar aos EUA, onde os ROEs já são bem menores do que a média do passado. Essa história de juro negativo destrói balanço de instituição financeira — não à toa, o UBS já repassou a taxa negativa para o cliente na ponta final. Vale mais a pena você guardar dinheiro sob o colchão do que deixar o dinheiro no banco suíço — não vejo iminente mudança nessa dinâmica, que deve ser cada vez mais comum entre os grandes bancos europeus.
Outro ponto: ativos reais vão ser cada vez mais demandados. Não pagar yield era um problema histórico para investimentos como o ouro ou outros preservadores clássicos de valor, pois seu carrego era ruim. Agora, com juros negativos sendo uma constante, é como se, em termos relativos, o ouro, a prata, a platina ou coisas parecidas pagassem juros positivos. Chegamos à aberração de fazer carry trade tendo como destino os metais preciosos, que seriam a reserva de valor clássica.
Terceiro: lembre-se de que nós não sabemos o que vai acontecer. Ninguém sabe. Aliás, só os charlatões sabem. Em ambientes assim, resta-nos o apego ao que tem valor e boas assimetrias. A Bolsa brasileira se apresenta como uma exceção de valuation convidativo num mundo onde tudo parece caro e distorcido. Ao mesmo tempo, juros reais próximos a 4 por cento como aqueles pagos pelas NTN-Bs mais longos ganham conotação de verdadeiro tesouro. Há umascoisas bem interessantes no mercado de opções também.
E, sendo agosto uma nuvem passageira, não me leva nem à beira disso tudo que eu quero chegar. E fim de papo!
Mercados brasileiros iniciam setembro próximos à estabilidade, sem a referência das Bolsas norte-americanas, fechadas por conta do feriado de Dia do Trabalho por lá. Investidores ponderam forças antagônicas. Entraram em vigor nos EUA novas tarifas sobre produtos chineses, mas sem grandes surpresas. Em paralelo, Argentina impôs medidas de controle de capitais, ao restringir a compra de dólares ao limite de 10 mil por mês para cada indivíduo. Do lado positivo, indicador da produção manufatureira na China voltou para cima de 50 pontos, aliviando preocupações com desaceleração global.
Agenda doméstica traz relatório Focus e IPC-S. Na Europa, temos vários PMIs oficiais sendo anunciados.
Ibovespa Futuro abre em leve baixa de 0,3 por cento. Dólar e juros futuros procuram definir tendência.
Cada vez que vou ao Shopping Curitiba é como se voltasse no tempo, apesar da modernidade instalada e das inúmeras lojas, estão lá preservados ainda muitos locais que basta os olhos tocarem que imediatamente me remetem ao passado, para aqueles dias lá vividos... a frente do shopping, o corpo da guarda, o pátio interno onde fazíamos educação física, os corredores altos que circundavam as diversas salas... enfim, já se vão 50 anos da formatura da Turma Independência dos Aspirantes do CPOR de Curitiba do ano de 1972, da qual tive a honra de participar do curso de Infantaria.
Quantas lembranças... a expectativa para ingressar, os primeiros dias, o curso, os instrutores, os acampamentos, os treinamentos, a educação física, os amigos, o quartel e a formatura... foi real!... quem diria naquele tempo que nosso quartel seria hoje um shopping como está aí hoje.
O tempo passa, os ideais nem sempre se realizam, as pessoas tomam seus rumos, mas as lembranças permanecem em cada um... e vamos vivendo...
Um grande abraço a todos os colegas de turma que por aqui passaram.
Meira no.19
Veja publicação sobre os 40 anos: clique aqui
Edison VeigaDe Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
17/05/2020
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Desde que as igrejas católicas foram fechadas ao público na Itália, por conta da pandemia de coronavírus, o Vaticano tem transmitido online as missas matutinas diariamente celebradas pelo papa Francisco, às 7h (de Roma).
Com o começo da volta da normalidade no país, o sumo pontífice anunciou que na segunda, dia 18, ocorrerá a última transmissão do tipo. E não poderia ser mais simbólica: trata-se da missa em memória ao centenário de nascimento do papa João Paulo 2º (1920-2005), justamente aquele que é considerado o primeiro papa pop, o primeiro a ter sua vida constantemente sob os holofotes.
Nascido na Polônia — seu nome de batismo era Karol Jósef Wojtyla —, João Paulo rompeu uma tradição de papas italianos que vinha de mais de 450 anos atrás. Antes dele, o último papa não italiano havia sido Adriano 6º (1459-1523), holandês.
"São João Paulo 2º introduziu uma nova face no pontificado: foi um papa polonês, depois de um longo período de papas italianos. Além disso, ele era originário de um país com regime comunista, o que causou enorme surpresa e esperanças", afirma, à BBC News Brasil, o cardeal arcebispo de São Paulo, Odilo Pedro Scherer.
"Ele teve um papel decisivo nas mudanças políticas havidas no Leste europeu e foi muito ativo e influente nos processos de diálogo para a superação de conflitos e o estabelecimento da paz. Foi um batalhador pela dignidade humana e por maior justiça social e econômica no mundo."
Seu papado marcou um momento em que o mundo vivia uma forte divisão entre ocidente e oriente, com Estados Unidos e União Soviética na disputa conhecida como Guerra Fria. Era época e lugar para o debate entre mundo capitalista e mundo socialista. Ao mesmo tempo, ele herdou uma Igreja intensamente empenhada em seu papel social, sobretudo após o concílio Vaticano 2º (realizado entre 1962 e 1965) — e foi essa guinada à esquerda que ele procurou conter.
"A maior contribuição histórica de João Paulo 2º, independentemente de seus méritos pessoais, mas como fato objetivo, foi reconduzir a Igreja pós-conciliar para um caminho mais religioso", avalia à BBC News Brasil o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Isso deve ser bem entendido, olhando-se o momento em que viveu."
"A década de 1960 viu a ascensão de uma visão secularizada da Igreja, que se afirmaria no futuro por seu papel social, vide Teologia da Libertação, e por sua adesão a uma espiritualidade fluída, marcadamente individualista e um pouco esotérica. João Paulo 2º reconduziu a Igreja à sua mística original, o que se confunde em certa medida com o movimento conservador, mas o ultrapassa", complementa.
Na biografia oficial divulgada pelo Vaticano quando João Paulo se tornou santo, em 2014, ressaltou-se a "personalidade poliédrica e carismática" do religioso. "Afirmou-se imediatamente pela grande capacidade comunicativa e pelo estilo pastoral fora dos esquemas", pontua o texto. "A têmpera e o vigor de uma idade relativamente jovem [quando foi eleito papa, em 1978] permitiu que empreendesse uma atividade intensíssima, ritmada sobretudo pelo multiplicar-se das visitas e das viagens."
Para o padre jesuíta norte-americano James Martin, consultor do Vaticano, além da multiplicidade de trabalhos, o tanto que João Paulo 2º pregou ao redor do mundo ressalta seu valor. "São João Paulo foi tantas coisas! Um padre, um filósofo, um teólogo, um escritor, um ativista, um organizador, mas, acima de tudo, um evangelista", afirma.
A BBC News Brasil listou algumas curiosidades a respeito da biografia do pontífice.
Rodou o mundo várias vezes.
Ao longo de seu papado, João Paulo 2º realizou 104 viagens internacionais e 146 dentro da Itália, conforme dados do Vaticano. Um recorde absoluto na história da Igreja. Sua terra natal, a Polônia, foi visitada nove vezes. Os Estados Unidos e a França, sete vezes cada. Foi um missionário por excelência.
"Para mim, o legado mais duradouro de João Paulo não são apenas suas grandes encíclicas, mas sua incansável promoção do evangelho em todo o mundo", diz o norte-americano Martin.
João Paulo 2º era poliglota. Além de polaco, sua língua materna, expressava-se em italiano, inglês, português, alemão, francês, espanhol, ucraniano, russo, servo-croata, esperanto, grego e latim.
Foi o primeiro papa a pisar no Brasil e o único a repetir a visita
Em 30 de junho de 1980, João Paulo 2º tornou-se o primeiro sumo pontífice a visitar o Brasil. Foi uma longa viagem com paradas em diversas localidades, como João Paulo costumava fazer quando ainda tinha vigor para tais maratonas. Percorreu 13 cidades em apenas 12 dias: Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Aparecida, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Belém, Teresina, Fortaleza e Manaus.
Em seus pronunciamentos, ele defendeu reforma agrária, liberdade sindical, justiça social e direitos humanos — isso em plena ditadura militar. Por outro lado, criticou a Teologia da Libertação e enfatizou a condenação católica ao aborto.
João Paulo 2º voltaria ao Brasil já redemocratizado em 12 de outubro de 1991, dia da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Em nove dias de viagem, esteve em dez cidades — Natal, São Luís, Brasília, Goiânia, Cuiabá, Campo Grande, Florianópolis, Vitória, Maceió e Salvador. Na capital baiana, visitou a religiosa Irmã Dulce (1914-1992), canonizada no ano passado pelo papa Francisco.
Nessa viagem ele realizou 31 pronunciamentos. Em cerimônia realizada em Florianópolis, tornou beata Madre Paulina (1865-1942), religiosa ítalo-brasileira que, em 2002, seria canonizada pelo mesmo papa, tornando-se a primeira figura nacional a ser considerada santa.
Entre 2 e 6 de outubro de 1997, João Paulo 2º esteve no Brasil pela última vez, resumindo a jornada apenas ao Rio de Janeiro. "Se Deus é brasileiro, o papa é carioca", afirmou ele.
João Paulo 2º pisou em território nacional também em 11 de junho de 1982. Em escala para uma viagem a Argentina, discursou no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, houve troca de mosteiros
Na primeira visita de João Paulo 2º a São Paulo, a ideia original era que ele se hospedasse no Mosteiro de São Bento, instituição religiosa inaugurada em 1598 no centro da cidade. Alguns meses antes da viagem, contudo, houve uma troca: os anfitriões paulistanos acabaram sendo os religiosos beneditinos de outra abadia, o Mosteiro de São Geraldo, no Morumbi.
Conforme contou ao jornal O Estado de S. Paulo o monge Gabriel Iróffy (1927-2016), um dos doze religiosos que hospedaram o papa em 1980, as mudança foi em razão de segurança: o centro de São Paulo, àquela época, estava deteriorado — e a comitiva papal avaliou que haveria riscos para o sumo pontífice. "Tanto as autoridades militares quanto as religiosas concluíram que, por razões de segurança, naquela época, estávamos em uma localização mais propícia", disse Iróffy, ao jornal.
A memória foi conservada. O trajeto de cerca de 100 metros que liga a quadra esportiva do Colégio Santo Américo, onde pousou o helicóptero que trouxe João Paulo 2º, até a entrada do mosteiro foi batizado de Alameda João Paulo II. O quarto onde ele ficou hospedado, uma cela simples do mosteiro, também foi mantido como memorial.
Papamóvel não foi invenção dele - e o papa não gostava do apelido
Muitos acreditam que o papamóvel, aquele carro adaptado para o papa ser visto e poder abençoar os fiéis, tenha sido invenção do papado de João Paulo 2º, justamente após o atentado de 13 de maio de 1981 — quando um terrorista turco tentou matá-lo baleado, disparando contra o papa três tiros. Não é bem assim.
O primeiro papa a contar com um veículo próprio foi Pio 10 (1835-1914), em 1909. Ele ganhou um Itala 20/30 de presente. Mas consta que nem ele nem seu sucessor, Bento 15º (1854-1922), utilizaram o carro.
Pio 11 (1857-1939) foi o primeiro papa da história a realizar aparições a bordo de um automóvel. E foram vários, entre eles um Graham-Paige 837 e um Mercedez-Benz Nürburg 460.
João Paulo 2º, portanto, já assumiu o pontificado tendo nos passeios automotivos uma tradição. O que ocorreu foi que, depois do atentado, os papamóveis acabaram ganhando blindagem. Tudo para proteger o sumo pontífice.
O nome também teria sido uma invenção consagrada pela imprensa nos anos 1980. João Paulo 2º não escondia: não gostava dessa denominação, considerava-a pouco digna. Em 2002 chegou a pedir para que os jornalistas evitassem o termo — não adiantou.
Gostava de esquiar e cultivava amizades não religiosas
Desde criança, Karol Wojtyla era fã de esportes. Na Polônia, jogava muito futebol — costumava atuar como goleiro. Durante a vida religiosa, ele seguiu cultivando hobbies esportivos.
De acordo com o livro "Uma Vida com Karol", escrito pelo cardeal Stanislaw Dziwisz, arcebispo emérito de Cracóvia e ex-secretário particular de João Paulo, ele costumava esquiar disfarçado nos montes Abruzos, na Itália, hábito que manteve mesmo após o atentado sofrido em 1981.
Dziwisz contou que ele se vestia como qualquer um — "casaco, gorro, óculos" — e "ficava na fila como os outros". Essas escapadas eram feitas de carro, às escondidas até dos guardas do Vaticano. "Subia nos teleféricos com o ingresso na mão. Pode parecer incrível que ninguém nunca o tenha reconhecido. Mas quem iria imaginar que o papa esquiaria assim?", revelou o cardeal.
João Paulo 2º também cultivava amizades fora do âmbito religioso. Conforme documentário exibido pela BBC em 2016, o papa manteve uma longa amizade com a filósofa norte-americana de origem polonesa Anna-Teresa Tymieniecka (1923-2014), presidente e fundadora do Instituto Mundial de Fenomenologia.
Ele trocaram muitas cartas e cultivaram uma amizade íntima. João Paulo visitou Tymieniecka nos Estados Unidos e ela esteve várias vezes com o pontífice no Vaticano. Há registros fotográficos que mostram ambos juntos em estações de esqui e viagens de campo.
Em carta datada de dezembro de 1976, o papa a presenteou com um escapulário. E escreveu: "desde o ano passado estou procurando uma resposta para suas palavras 'Pertenço a você', e finalmente, antes de deixar a Polônia, encontrei a maneira: um escapulário."
A fenomenologia era corrente filosófica pela qual o papa nutria grande apreço. "Karol Wojtyla fez uma grande revolução na teologia tomista clássica, ao relê-la em chave fenomenológica. Os neotomistas viam o magistério católico numa linha dedutivista, onde os princípios fundamentais da fé e da teologia católica seriam aplicados para se chegar a novas conclusões", contextualiza Ribeiro Neto.
"A fenomenologia parte da experiência humana para chegar ao conhecimento", completa.
"Wojtyla reúne as duas abordagens, supondo que a análise da experiência sensível, depurada de preconceitos e ideologias, deveria conduzir aos mesmos princípios fundamentais da fé e permitir que esses dialogassem com o pensamento atual."
Foi muito criticado por essa postura antes de se tornar papa. Depois, seu método foi frequentemente esquecido, para se fixar apenas nos princípios - que eram os mesmos do tomismo clássico. Com isso, um pensamento teológico revolucionário foi visto como tradicionalista.
Foi o primeiro papa pop
Se hoje papa Francisco está em memes e stickers de WhatsApp, tem suas missas transmitidas em lives, é treding topic em redes sociais e suas aparições públicas são fotografadas a cada instante, o começo dessa era se deu no papado de João Paulo II. Ele foi o primeiro papa de uma época em que tudo era coberto pela mídia. O primeiro a ser acompanhado pela imprensa a cada passo, a cada gesto. Ele foi o papa da TV, e era o papa da Igreja quando a internet ganhou o mundo.
Por um lado, isso contribuiu para sua fama universal. "Ele foi uma pessoa única no século 20 e, dentro do contexto da mídia que veiculou toda a realidade da sua pessoa, ele também acabou conquistando uma devoção universal", comenta à BBC News Brasil o frei Reginaldo Roberto Luiz, conselheiro da Ordem dos Padres Mercedários em Roma.
Um efeito colateral dessa exposição midiática é que até sua decadência física acabou sendo imensamente explorada. João Paulo II morreu tendo o mundo como testemunha — todos acompanhavam seu sofrimento, dado o agravamento da doença de Parkinson, a cada nova aparição pública.
Tornou-se o grande fazedor de santos
Papa João Paulo 2º canonizou 482 santos em seus 26 anos e cinco meses de pontificado. Era o recorde absoluto, até Francisco — que até agora já fez 897 santos. Conforme levantamento realizado pela BBC News Brasil, o terceiro desse ranking é Leão 13 (1810-1903), com 148 santos.
Mesmo assim, vale ressaltar que a cifra de Francisco só é gigantesca porque em maio de 2013 ele canonizou, de uma só vez, os 813 habitantes de uma cidade do sul da Itália dizimada por tropas otomanas em 14 de agosto de 1480 — os chamados mártires de Otranto.
João Paulo 2º, contudo, também costumava fazer processos coletivos de reconhecimento de santidade. Em outubro de 2000, canonizou 120 mártires chineses de uma só vez e, em maio de 1984, transformou 103 mártires coreanos em santos.
João Paulo 2º desburocratizou a "fábrica de santos" do Vaticano. Em 1983 ele publicou dois documentos sobre o tema, simplificando o processo. Antes, eram necessários quatro milagres para o reconhecimento da santidade; desde então, bastam dois.
Os fiéis brasileiros recordam que foi ele o primeiro pontífice a canonizar uma figura brasileira: Madre Paulina, que se tornou santa em maio de 2002. Em 1991, em sua segunda visita ao país, ele declarou: "O Brasil precisa de santos, o Brasil precisa de muitos santos!"
Ficou conhecido pela "teologia do corpo"
Ao recordarem o pontificado de João Paulo 2º, muitos destacam seu aspecto moralista: a condenação a métodos contraceptivos, por exemplo. Admiradores de seu legado preferem enfatizar sua defesa da família. Ribeiro Neto ressalta que "sua 'teologia do corpo'", "foi uma retomada da moral católica tradicional, porém numa chave de leitura fenomenológica".
"Ainda que defendesse os valores morais tradicionais, a 'teologia do corpo' consagrava a sexualidade como dom de Deus a ser desenvolvido pelo ser humano, particularmente na vivência conjugal", explica o sociólogo.
"Valoriza, por exemplo, o caráter 'unitivo' do sexo, que - de certa forma - antecede o caráter 'procriativo', enfatizado pela moral católica tradicionalista. Mas esse aspecto também foi frequentemente esquecido. O resultado foi o revolucionário interpretado como tradicionalismo."
Defensor dos direitos humanos e da liberdade
No mundo bipolarizado da Guerra Fria, suas críticas ao comunismo despertaram polêmica. Roberto Luiz prefere defini-lo como um líder "que lutou muito pelo contexto de paz". "Ele sabia o que era a perseguição e a violência, tanto as que ocorreram por parte dos nazistas que ocuparam a Polônia quanto as realizadas pelos socialistas no Leste Europeu", pontua.
"Ele é o homem da república, da democracia e das ideias filosóficas. É o homem da formação humanística, com sua base na ética alicerçada pelo pensamento cristão."
Segundo o texto biográfico de sua canonização, João Paulo II "trabalhou para dar voz à chamada Igreja do silêncio". "A insistência sobre os temas dos direitos do homem e da liberdade religiosa tornou-se assim uma constante do seu magistério. Tanto que hoje é largamente reconhecido o contributo relevante da sua ação para as vicissitudes que determinaram a queda do muro de Berlim em 1989 e o sucessivo colapso dos regimes filo-soviéticos. Neste contexto provavelmente insere-se o gravíssimo episódio do atentado do qual foi vítima a 13 de Maio de 1981 por obra do turco Ali Agca", descreve.
"Ao lado da polêmica anticomunista, desenvolveu-se também uma leitura crítica do capitalismo, submetido a uma análise crítica em três das suas 14 encíclicas", diz a sinopse biográfica, citando a Laborem exercens, de 1981, a Sollicitudo rei socialis, de 1987 e a Centesimus annus, de 1991.
Ribeiro Neto também recorda seu passado como operário — na juventude ele trabalhou numa mina de calcário na Polônia — para ilustrar sua empatia frente ao sofrimento do proletariado.
"Ele havia trabalhado como mineiro na Polônia e tinha uma grande afinidade com a questão operária e as organizações de trabalhadores", afirma. "Escreveu uma encíclica justamente para defender os trabalhadores, a Laboren exercens, e suas encíclicas sociais posteriores à queda do comunismo fazem críticas ao capitalismo liberal, recordando os direitos dos trabalhadores."
O cardeal Scherer afirma que João Paulo "foi o papa que mais fez pela efetivação das reformas queridas pelo concílio Ecumênico Vaticano 2º, do qual ele havia tomado parte no início dos anos 1960". "Sua ação estendeu-se a todas as dimensões da vida e da ação da Igreja. Renovou a ação missionária, fazendo-se, ele mesmo, um missionário itinerante com suas numerosas viagens à maioria dos países. Atuou nas reformas internas da Igreja, do clero, da vida religiosa consagrada e do laicato", enumera.
"Promoveu ao menos dez assembleias do sínodo dos bispos, escreveu diversas encíclicas sociais de grande peso, foi um grande incentivador das famílias e da juventude e das relações ecumênicas e inter-religiosas."
Ainda tem cardeais na ativa
Conforme levantamento realizado pelo teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Junior, chefe do Departamento de Ciências Sociais da PUC-SP, João Paulo II nomeou 231 cardeais em nove consistórios durante seu pontificado.
Entre eles, figuras que foram ou são muito influentes na alta cúpula da Igreja, como o italiano Angelo Sodano, o brasileiro Claudio Hummes, para não falar no argentino Jorge Bergoglio — o próprio papa Francisco.
De acordo com Altemeyer, dos 222 cardeais vivos hoje, 69 foram nomeados por João Paulo II.
Por pouco, não foi eleito antes
Dessas histórias de bastidores de conclaves — as eleições papais são secretas —, das quais provavelmente nunca se saberá ao certo, é famosa a versão de que o então cardeal Wojtyla era o preferido por Paulo 6º (1897-1978) para sucedê-lo.
"Como estaria morto no conclave e sabia da resistência dos cardeais italianos [a escolher um não italiano], escolheu [o então cardeal] Albino Luciani [1912-1978] — muito bondoso e confiável — para apresentar a proposta ao conclave", relata Ribeiro Neto, que diz ter ouvido essa história de fonte confiável em Roma, em 1980.
"Os cardeais italianos, percebendo o perigo, se organizaram rapidamente para que justamente Luciani fosse indicado como papa, antes de poder começar a campanha por Wojtyla", prossegue. "O cardeal aceitou, mas escolheu o nome João Paulo, para dizer que ele não era o novo papa, mas apenas a continuação dos que o antecederam. Luciani acreditava que morreria em breve, para que o papa 'desejado por Deus' pudesse ser escolhido — e dizia isso para parentes e amigos mais próximos."
Segundo Ribeiro Neto, foi isso que "criou a lenda de que ele estava sendo ameaçado e seria assassinado". "Quando Wojtyla soube da morte de João Paulo I, concluiu que iria ser eleito o papa e escolheu o nome João Paulo 2º como homenagem ao antecessor, que teria sido sacrificado para que ele se tornasse papa", diz o sociólogo.
Teve o terceiro papado mais longo da história
Eleito papa relativamente jovem para o cargo — tinha 58 anos —, Wojtyla teve o terceiro maior pontificado da história da Igreja. Foram exatos 26 anos, 5 meses e 17 dias à frente da Igreja. São Pedro [? - cerca de 67 d.C], considerado o primeiro papa, teria comandado aquela primitiva Igreja por cerca de 37 anos. Pio 9 (1792-1878] teve um papado de quase 32 anos, de junho de 1846 a fevereiro de 1878.
Deixou pronta uma carta de renúncia
Os últimos anos de seu pontificado foram ricos em imagens tristes, dado o agravamento de sua doença. A sinopse biográfica de sua canonização aponta que "a fase conclusiva do pontificado" foi "marcada sobretudo pelo progressivo agravamento das condições de saúde do papa, que depois de uma longa e angustiante agonia morreu na noite de 2 de abril de 2005."
Ao que parece, essa longa e angustiante agonia, veiculada globalmente em todas as mídias disponíveis, não era algo que Karol Wojtyla gostaria de tornar pública.
No livro "Santo: A Vida e A Fé de João Paulo 2º", o padre polonês Slawomir Oder relata que, em 15 de fevereiro de 1989, João Paulo 2º redigiu um documento no qual expressava sua vontade de renunciar ao pontificado caso ficasse incuravelmente doente ou se encontrasse incapacitado de cumprir plenamente seus deveres como sumo pontífice.
Tornou-se santo em tempo recorde
Há uma norma na Igreja: para a abertura de um processo de canonização, é preciso aguardar pelo menos cinco anos da morte do candidato. Não foi o que ocorreu com João Paulo 2º.
"Após 26 dias do seu falecimento, Bento 16 concedeu a dispensa dos cinco anos de expectativa prescritos permitindo o início da causa de canonização", pontua a biografia anexa ao processo de canonização.
"Existe essa regra dos cinco anos justamente para dar um tempo de reflexão, revisão da vida. Mas há casos em que a Igreja abre mão disso", contextualiza à BBC News Brasil o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
"A fama de santidade de João Paulo II já existia. Pessoas já o viam como venerável. E a lei canônica está aí: lei é para ser cumprida, mas também, como dizem os romanos, lei é para ser dispensada", comenta à reportagem o frei Reginaldo Roberto Luiz, que atua em processos de canonização no Vaticano.
Tudo ocorreu de forma muito rápida, considerando processos do tipo. Bento 16 o beatificou em 2011, seis anos após sua morte. Francisco o canonizou três anos mais tarde, em 2014.
João Paulo 2º foi canonizado depois da comprovação, pela Igreja, de dois milagres: uma religiosa francesa que teria sido curada de Parkinson e uma costarriquenha recuperada de aneurisma cerebral.
Roberto Luiz lembra que a exposição midiática, no caso, ajudou. "Pessoas rezam para ele em todas as partes do mundo", diz. Isso justifica o fato de que papas recentes tenham sido canonizados, casos também de Paulo 6º (1897-1978) e João 23 (1881-1963). "Como no passado não havia essa forte presença do papa nas realidades locais e nos últimos tempos os meios de comunicação passaram a difundir mais a imagem do papa, acaba sendo natural que tenha aumentado a devoção a eles — ou seja, mais pessoas rezam para eles após a morte, pedindo a intercessão", acrescenta Domingues.
O vaticanista aponta outra questão um tanto polêmica: há quem argumente que papas não deveriam ser canonizados. "Porque se subentende que um papa já tem uma série de virtudes, tanto que são chamados de 'Sua Santidade' ou 'Santo Padre'… E ao canonizar alguns e não outros a Igreja admite que alguns foram menos santos? Ou que alguns são mais santos?", reflete.
"Ele foi consagrado com os gritos de 'santo já' no enterro", recorda Ribeiro Neto. Seu funeral praticamente "abriu", de forma popular, o processo de canonização.
"Na Praça de São Pedro, junto com uma multidão de pessoas de todos os extratos sociais e culturais, havia uma numerosa presença de autoridades, representantes de países e de governos. Lado a lado, durante a celebração do funeral, silenciosos, sentaram-se ricos e pobres, cristãos e não cristãos, amigos e até inimigos, representantes de países em conflito entre si", relembra o cardeal Scherer.
"Todos reconheciam sua estatura moral e prestavam homenagem a esse grande papa, que se tinha transformado numa referência para todos, uma espécie de pai da grande família humana."